Sem gás, Bulgária vê sua vulnerabilidade diante da Rússia
12/01 - 13:34 - The New York Times
SÓFIA, Bulgária - Maria Pavlova, viúva e enfermeira aposentada com uma pensão de US$75 por mês, está tremendo em seu pequeno apartamento há cinco dias. Ela fica próxima ao forno elétrico de sua cozinha para aquecer seu dolorido corpo com artrite. Ela desespera-se com a possibilidade de enfrentar outro banho frio.
“Essa é uma guerra sem armas, na qual a Rússia utiliza seu controle da energia para exercitar seus músculos perante o mundo”, disse ela, apontando para um termômetro que mostra a temperatura interna próxima aos 6 graus Celsius. “Estou com frio e raiva. Sempre fomos dependentes da Rússia, e esta crise mostra que a situação não mudou. Ao invés de bombas e mísseis, eles querem nos congelar até a morte."
Mesmo antes da resolução para a crise energética que assola a Europa fosse devolvida no domingo, muitos nos Bálcãs acusavam a Rússia de instigar uma nova Guerra Fria, privando milhões de europeus de aquecimento e combustível como instrumento para um golpe político contra o ocidente.
Desde que a Rússia cortou o fornecimento de gás natural para a Ucrânia na quarta-feira em uma disputa sobre o preço, muitos dos 7,3 milhões de habitantes da Bulgária estão sem sistema de aquecimento durante o rigoroso frio de janeiro. Se a disputa fosse resolvida e as torneiras fossem reabertas pela Gazprom, a empresa estatal russa de combustível, levaria três dias para abastecer os consumidores da Bulgária, dizem especialistas.
Maria Povlova: temperatura dentro de casa chega próximo aos 6ºC / NYT
Em um tempo de relações ásperas entre a Rússia e o Ocidente, a crise ressaltou como a Rússia pode usar sua energia para fazer a Europa como refém.
A Bulgária, país membro da União Europeia e da Otan, vem tentando evitar seu passado comunista. A crise abriu seus olhos para sua vulnerabilidade diante da Rússia, uma antiga aliada. A Bulgária, o país mais pobre da União Européia, depende quase inteiramente do gás natural vindo da Rússia.
“A situação é remanescente do cerco em Stalingrado”, disse na quinta-feira passada Vlado Todorov Panayotov, búlgaro que faz parte do Parlamento Europeu, em um encontro de emergência em Bruxelas, Bélgica, se referindo a um fato da Segunda Guerra Mundial quando os nazistas tentaram tomar a cidade russa, hoje conhecida como Volgograd.
Os búlgaros dizem que se sentem traídos pelo seu próprio governo por fazer dele vítimas indefesas das políticas russas, pela União Europeia por falhar em tentar resgatá-los, e pelo Kremlim e o primeiro-ministro Vladimir V. Putin por forçarem o país a sofrer por causa de uma disputa distante.
Em Sófia, a capital, em uma maternidade onde mães cuidam de seus bebês recém-nascidos em frente a aquecedores, Amélia Mladenova, 24, disse que não acredita que uma disputa pelo preço da energia estaja colocando a vida de crianças em risco.
“Moscou colocou seus interesses econômicos a frente dos direitos humanos”, disse ela, apertando seu filho de quatro dias, Miroslav, em seus braços.
Desde que a crise começou, dezenas de pré-escolas e 68 escolas fecharam na Bulgária, e alguns hospitais precisaram adiar cirurgias. Motoristas do sistema de transporte público de Sófia receberam ordens para desligarem os aquecedores.
E no zoológico de Sófia, os macacos africanos começaram a ser alimentados com chá de ervas para evitar que fiquem doentes. “Os únicos animais felizes com as temperaturas atuais são aos tigres siberianos”, disse Ivan Ivanov, diretor do zoológico.
O corte no abastecimento de gás também fez tremer a economia da Bulgária, que já estava sendo afetada pela crise financeira global. O monopólio do gás, administrado pela empresa Bulgargaz, interrompeu o abastecimento de 72 grandes indústrias e forçou dezenas de produtores de vidro, aço, cerveja e metais a fecharem as portas. De acordo com o ministro da Economia, Petar Dimitrov, 152 companhias reportaram perdas de US$5,9 milhões por dia.
A crise também forçou muitas padarias a subir 10% o preço do pão, cerca de 48 centavos, obrigando muitas famílias pobres a ficarem sem ele.
Alexander Bozhkov, ex-vice-primiê da Bulgária e atual presidente do Centro de Desenvolvimento Econômico do país, disse que a crise revelou o enorme custo humano e econômico da dependência da Rússia. Ele previu que essa situação poderia resultar em uma derrota eleitoral do governo socialista e poderia reorientar o país em direção à União Europeia e Washington.
“Devido a nossa história, temos muitas razões para gostar dos russos. Mas está crise nos fará repensar isso”, disse Bozhkov. “Somos as maiores vítimas desta crise, e isso esse é um grande embaraço.”
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