"Financiamento da saúde é totalmente inapropriado", diz Temporão
06/07/2009 - 13:45 - Klinger Portella, do Último Segundo
SÃO PAULO - O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, criticou a estrutura de financiamento do setor no País, com a maior parte dos gastos destinados a companhias privadas. Durante participação no 63º Fórum de Debates Projeto Brasil, que discutiu a “Universalização da Saúde: o papel do Estado e do setor privado”, no estúdio do iG em São Paulo, Temporão também defendeu parcerias público privadas (PPPs) como alternativas para que o Brasil reduza um déficit de US$ 7 bilhões anuais na balança comercial da saúde.
“O Brasil tem estrutura de financiamento do setor totalmente inapropriada para a sua missão. Pesquisa do IBGE, que considerou todos os gastos diretos das famílias com o setor público e privado de saúde, mostrou que setor privado responde por 62% dos gastos, enquanto setor público responde por 38%. Por outro lado, 75% da população depende unicamente do SUS”, afirmou Temporão.
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Temporão participa de fórum do Projeto Brasil
O ministro defendeu a necessidade de parcerias entre o setor público e privado para o desenvolvimento de insumos para os medicamentos. “O Brasil não quer simplesmente ser um comprador de pacote fechado (de medicamentos e insumos). Queremos fazer parcerias, utilizando o nosso mercado, o BNDES como agente fomentador, e fazendo parcerias de pesquisa e desenvolvimento”, afirmou Temporão.
Parcerias Público-Privadas
“A relação do setor público e privado na área hospitalar sempre se deu na compra de serviços hospitalares por parte do SUS (Sistema Único de Saúde)”, disse. “Em 2008, o Ministério inaugurou uma coisa nova. Os hospitais de excelência, que são os de São Paulo e Rio Grande do Sul, não só apoiarão o SUS em situações específicas, como transplante de órgão e banco de sangue, como colocarão os resultados da renúncia fiscal em apoio a áreas do setor público. A meta é a realização de 101 projetos nos próximos quatro anos”, afirmou.
O ministro garantiu, ainda, que o governo articula Parcerias Público-Privadas (PPPs) entre sete laboratórios públicos e dez privados para produzir 24 medicamentos e insumos. “Isso envolve tecnologia, estudo, pesquisa e desenvolvimento. A economia com essa parceria pode chegar a R$ 160 milhões por ano. Gastamos para comprar esses 24 fármacos R$ 800 milhões.”
Gargalo
Atualmente, 75% da população brasileira depende dos serviços do SUS, segundo o Ministério da Saúde. Para Marcos Vinicius Caetano Pestana da Silva, Secretário de Estado de Saúde de Minas Gerais, há um gargalo no setor, por conta dos baixos investimentos. “A equação que enfrentamos no dia a dia é extremamente complexa e não fecha. Por um lado tem direitos amplos: é dever do Estado promover a saúde a todos. Por outro lado, temos recursos escassos. São cerca de R$ 530 per capta por ano de gasto público para sustentar o SUS. Evidentemente, esse valor é muito pouco para garantir a universalidade do serviço.”
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Fórum discute universalização da saúde
Silva defende um choque de gestão para minimizar o gargalo na saúde. “É possível ter mais eficiência para melhorar paulatinamente o serviço para garantir a universalidade e o acesso a todos, de forma qualificada”, completou.
Segundo ele, o SUS “não vive uma situação caótica”. Entretanto, Silva afirma que há um “paradoxo”, já que a saúde é apontada como a prioridade para os governantes, em pesquisas de opinião, mas, nas instâncias políticas, não há decisões favoráveis ao setor, como a Emenda 29. “Há um descolamento entre a consciência social e as instâncias decisórias. Há um desafio a ser desvendado.”
“Sistema duplicado”
Segundo Luiz Celso Dias Lopes, superintendente de Relações da Sulamérica e membro do comitê técnico do IESS, há uma duplicação no sistema de saúde brasileiro. “As pessoas que têm plano de saúde privado não deixam de contribuir para o SUS. Temos uma chamada duplicação”, afirmou. “Não temos um sistema suplementar”, completou.
Para Lopes, há uma relação de necessidade entre SUS e o setor privado. “A gente entende que a saúde suplementar é uma forma de o Estado conseguir realizar o princípio da universalização do acesso à saúde”, defendeu, apontando que os desafios para o setor são evitar as sobreposições, planejar investimentos e realizar ações conjuntas entre público e privado.
Política industrial
O Superintendente Administrativo do Hospital Sírio Libanês, Gonçalo Vecina, apontou que há um “grave problema de complexidade” no SUS. Ele destacou que o País conta com 415 mil leitos hospitalares – 75% deles são privados e mais da metade têm fins lucrativos. “Esses leitos nos dão algo um pouco mais que dois leitos por habitante, o que é um número alto”, garantiu. “Por outro lado, cerca de 3% do total dos leitos são de UTI”, alertou.
“A resolutividade do sistema hospitalar brasileiro é muito baixa. Estamos gastando muito dinheiro com internações desnecessárias em hospitais que não têm condições de apresentar solução para os problemas dos pacientes”, completou. “Quem tem que garantir é o Estado, mas não necessariamente o Estado deve fazer o serviço.”
Vecina defendeu que a indústria brasileira precisa se aproximar “de forma mais criativa” da rede hospitalar do país. “Neste sentido, a capacidade do Estado em fazer com que as inovações ocorram é fundamental. Ter políticas industriais hoje não é mais fundamental. O Estado tem de ter a capacidade para que aconteça esse encontro usuário e indústria.”
Para Cláudio Majerovitch Pessanha Henriques, diretor da Comissão de Incorporação de Tecnologias do Ministério da Saúde, a política industrial do setor deve ser voltada às prioridades nacionais da saúde. “É necessário ter um preparo do sistema produtivo para enfrentar as barreiras tecnológicas. Além disso, é necessário um cuidado com relação à força das vendas das multinacionais no País.”
“Nossa indústria atua em um mercado de US$ 6 bilhões, sendo que cerca de US$ 4 bilhões são instalados no Brasil e US$ 2,7 bilhões são de produtos importados. São cerca de 480 empresas, que geram 40 mil empregos diretos”, afirmou Ruy Salvare Baumer, presidente da Abimo-Sinaemo (Associação Brasileira da Indústria de Artigos e Equipamentos Médicos, Odontológicos, Hospitalares e Laboratórios).
Baumer criticou a carga tributária do setor – que, segundo ele, ultrapassa os 50% do preço do produto, em alguns casos – como um dos impedimentos para a maior competitividade da indústria brasileira. “Alguns equipamentos pagam 45% de impostos diretos. Se um hospital público compra um produto financiado, você é obrigado a incluir no preço todo serviço agregado. Na conta final, o imposto passa de 50%. Não há possibilidade de empresa nenhuma competir com esse valor.”
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